A cama e o garfo

Sonho CLXXV
 

Três bispos iam visitar o Papa, apesar de um deles ter sido banido.

O Papa era um homem humano e compassivo, ainda que aceitasse usar aquele chapéu.

Os dois bispos eram homens mais duros.

O primeiro atirava-se aos pés da figura de Cristo que estava pregada na cruz e ficava com a testa colada ao chão.

«Não consegue refrear o seu amor por Cristo.» - comentava o segundo.

«Mas esta ovelha ranhosa, Sua Eminência, só nos traz problemas.» - dizia ele, apontando para o terceiro bispo.

«A sua vida é incoerente e absurda. Segue por encruzilhadas. Opta por caminhos de que se arrepende. Insiste em permanecer no deserto. Tem demasiadas coisas por acabar. E mil planos para outras coisas que ainda nem começaram. Não queira sequer olhar para os seus projectos, Sua Eminência!»

«De que lhe serve uma tal vida?»

«Insiste em questionar os nomes de Deus. E para quê?»

«Quantas lágrimas não são choradas depois de tais destruições?»

«Sua Eminência, gostaríamos que falasse ao coração desta ovelha tresmalhada, pois ela é demasiado preciosa para se perder.»

«De que lhe serve o desprezo incauto pelos caminhos já traçados, pelas ideias já feitas?»

«Impõe-se a si mesmo uma violência que só o deixa avançar aos tombos, aos tropeções!...»

«Veja, Sua Eminência, o sofrimento que se estampa na sua face. Valerá a pena lutar com armas tão insólitas, tão pouco experimentadas, por uma alegria que é, afinal, o que todos almejamos?»

Em resposta, o terceiro bispo apontava para a identificação bordada no fato de um piloto de Fórmula 1, ali mesmo ao lado, e dizia:

«Sem as peripécias da sua vida, como é que Hans Artz seria Hans Artz?»

Um Papa. A figura de Cristo. Três Bispos. Um piloto de Fórmula 1. De seu nome: Hans Artz.

Durante o sono, a relação era clara, simples e implacável.

O título: «A cama e o garfo».

É no que dá tomar notas mentais enquanto se sonha.