Efeito boomerang

Fragmento 172


De vez em quando, acontece que olhamos para alguém como se fosse a primeira vez.
 
Aquela pessoa... o que é que ela traz consigo agora, que nunca antes se mostrou?
 
Outras vezes, são os outros que nos olham como se fosse a primeira vez.
 
Pessoas que se cruzam, que trabalham connosco, mais ou menos anódinas, mais ou menos desconhecidas.
 
Discretamente, olham-nos como se nos quisessem arrancar com os olhos o que trazemos de não-dito e secreto na alma, o que nos transforma.
 
E nós conhecemos a subtileza e o fascínio de uma tal investigação, pelo número de vezes que nos dedicámos a ela.
 
Se os nossos olhos se tocam, os do outro rapidamente se desviam, como se tivessem sido apanhados numa tarefa interdita.
 
É um brilho na pele? Um toque no riso? Um humor no olhar? Um jeito nos cabelos?
 
É a maneira como o corpo se põe, se acomoda na cadeira, ou nos pés?
 
Que acontecimento secreto traz o corpo à flor da pele?
 
Uma nova paixão? Um novo encontro? Uma nova ideia? A alegria imensa e incontida que sempre acompanha o fim de um velho preconceito ou de um poema?
 
E quando damos conta que os outros nos olham assim, é curioso, damos por nós a pensar - «Mas o que é que me estará agora a acontecer?»
 
O desconhecido em nós salta-nos do corpo e é devolvido em cheio pelo olhar em espelho do outro.